quarta-feira, 2 de março de 2011

A casada infiel

Eu que a levei ao rio
pensando que era donzela
porém tinha marido.

Foi na noite de Santiago
e quase por compromisso.
Apagaram-se os lampiões
e acenderam-se os grilos.
Nas últimas esquinas
toquei seu peito adormecido
e abriram-se prontamente
como ramos de jacintos.
A goma da sua anágua
soava ao meu ouvido
como uma peça de seda
rasgada por dez punhais.
Sem luz de prata nas suas copas
as árvores estão crescidas
e um horizonte de cães
ladra muito longe do rio.

Passadas as sarçamoras
os juncos e os espinhos
debaixo de seus cabelos
fiz uma cova sobre o limo.
Eu tirei a gravata.
Ela tirou o vestido.
Eu, o cinturão com revólver.
Ela, seus quatro corpetes.
Nem nardos nem caracóis
têm uma cútis tão fina,
nem os cristais com lua
reluzem com esse brilho.
Suas coxas me escapavam
como peixes surpreendidos
a metade cheias de lume
a metade cheias de frio.
Aquela noite corri
o melhor dos caminhos
montado em potra de nácar
sem bridões e sem estribos.
Não quero dizer, por homem
as coisas que ela me disse.
A luz do entendimento
me faz ser muito comedido.
Suja de beijos e areia
eu a levei do rio.
Com o ar se batiam
as espadas dos lírios.

Portei-me como quem sou.
Como um cigano legítimo.
Dei-lhe um estojo de costura
grande, de liso palhiço
e não quis enamorar-me
porque tendo marido
disse que era donzela
quando a levava ao rio.

[Federico García Lorca]

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