sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Há cidades cor de pérola


Há cidades cor de pérola
onde as mulheres
existem velozmente.
Onde às vezes param
e são morosas por dentro.
Há cidades absolutas
trabalhadas interiormente
pelo pensamento das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos
vistos ao alto como um fogo antigo
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados
nas águas celestes.
Há lugares de um esplendor virgem
com mulheres puras
cujas mãos estremecem.
Mulheres que imaginam
num supremo silêncio
elevando-se sobre as pancadas
da minha arte interior.

Há cidades esquecidas
pelas semanas fora.
Emoções onde vivo
sem orelhas nem dedos.
Onde consumo uma amizade bárbara.
Um amor levitante.
Zona que se refere
aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades
sob os arcos pensadores.
Para que algumas mulheres
sejam cândidas.
Para que alguém bata em mim
no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
A minha loucura, escada
sobre escada.

Mulheres que eu amo
com um desespero fulminante
a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante
digo com terror, com alegria.
Em que toco levemente
a boca brutal.
Há mulheres que colocam
cidades doces e formidáveis no espaço
dentro de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão. 
Dentro de minha idade
Desde a treva, de crime em crime
 Espero a felicidade
de loucas delicadas mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas. Parada. 

Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça ardente:
E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.


[Herberto Hélder]

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