sábado, 3 de outubro de 2009

Quando eu morrer


Quando eu morrer

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra.

Deixa que nos meus braços pousem então as aves
(que, como eu, trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões) e planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti).

Quando eu morrer, deixa-me a ver o mar do alto de um rochedo
e não chores, nem toques com os teus lábios a minha boca fria.
Promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos,
como pequenos foram sempre os meus ódios
e que depois os lanças na solidão de um arquipélago
e partes sem olhar para trás nenhuma vez.
Se alguém os vir de longe brilhando na poeira,
cuidará que são flores que o vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas,
pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

[Maria do Rosário Pedreira]

1 comentário:

  1. Belíssimo Poema ANTONIO.
    Parabéns por teu Blog repleto de preciosidades. bjim Carmen

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