As Janelas do Meu Quarto
Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto,
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas
e o sonho afaga e embala,
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade
e o desejo e a humildade
e o silêncio e a surpresa,
e o amor dos homens e o tédio
e o medo e a melancolia
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência e a bondade
e a dor própria e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia
e a viuvez e a piedade,
e o grande pássaro branco
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto,
que vos pudesse rasgar !
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.
[António Gedeão]
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