terça-feira, 30 de março de 2010

As Janelas do Meu Quarto


As Janelas do Meu Quarto


Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto,
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.

Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.

Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.

Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.

Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas
e o sonho afaga e embala,
à semelhança das ondas.

Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade
e o desejo e a humildade
e o silêncio e a surpresa,

e o amor dos homens e o tédio
e o medo e a melancolia
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,

e a inocência e a bondade
e a dor própria e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia
e a viuvez e a piedade,

e o grande pássaro branco
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,

todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
que vos pudesse rasgar !
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

[António Gedeão]

Sem comentários:

Enviar um comentário