quinta-feira, 13 de maio de 2010

Mãe, eu quero ir-me embora



Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram a crescer.
 O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

 Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
 cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
 só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
 que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
 os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
 deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
 e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

 Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
 caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
 Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
 não chames pelo meu nome, não me peças que fique –
 as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
 embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
 de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
 uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.


[Maria do Rosário Pedreira]

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