segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Viver sempre também cansa


Viver sempre também cansa

Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
mas nunca tem a cor inesperada.

O Mundo não se modifica.
as árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens não se transformam
não cai neve vermelha
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
ninguém vai pintar olhos à lua

Tudo é igual, mecânico e exacto

Ainda por cima os homens são os homens
soluçam, bebem riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe
automóveis de corrida...

E obrigam-me a viver até à morte!

Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho
de vez em quando
e recomeçar depois
achando tudo mais novo?

Ah! Se eu podesse suicidar-me por seis meses..
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do norte.

Quando viessem perguntar por mim
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia
matou-se esta manhã
agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo..

[José Gomes Ferreira]

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