quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Fado para a Lua de Lisboa

Galeria de abriwin ( flickr do Yahoo)

Fado para a Lua de Lisboa

Oh Lua, espelho do chão
que andas no céu pendurado,
holofote da ilusão
pelo turismo alugado,
não ilumines em vão
os sulcos do empedrado!

Denuncia nas valetas
as sombras que tu arrastas:
prostitutas, proxenetas,
silhuetas de pederastas...
Colos brancos. Rendas pretas.
Casas tortas. Pedras gastas.

As rugas do sobressalto,
Oh Lua não as destruas!
Tu viste carros de assalto
rondarem por estas ruas;
viste rolarem no asfalto
vestes mais alvas que as tuas.

Foste a lua a que se expunha
aos tiros a multidão;
espelhaste na tua unha
a secular aflição;
e já foste testemuha
dos fogos da Inquisição.

Procissões do Santo Ofício...
Fileiras de condenados...
À noite, nem só o vício
rasteja por estes lados:
as serpentes do suplício
silvam nos pátios murados...

Oh Lua, guarda o retrato
de tudo, tudo a que assistas!
Não queiras passar ao lado
da desgraça que visitas!
Nem queiras ser infamado
passatempo de turistas!

Clorofórmio dos enfermos,
se foges dos hospitais,
então recolhe-te aos ermos
desertos celestiais!
E quando te não merecermos
não te acendas nunca mais!

 [David Mourão-Ferreira]

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