quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Poema do Futuro

Poema do Futuro

Conscientemente escrevo e consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido,
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.

[António Gedeão]

Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (António Gedeão) nasceu faz hoje 104 anos

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