domingo, 26 de dezembro de 2010

Começa a haver meia-noite e a haver sossego

Começa a haver meia-noite e a haver sossego,

Por toda a parte das coisas sobrepostas,

Os andares vários da acumulação da vida...

Calaram o piano no terceiro-andar...

Não oiço já passos no segundo-andar...

No rés-do-chão o rádio está em silêncio...

Vai tudo dormir...

Fico sozinho com o universo inteiro.

Não quero ir à janela:

Se eu olhar, que de estrelas!

Que grandes silêncios maiores há no alto!

Que céu anti-citadino!

Antes, recluso,

Num desejo de não ser recluso,

Escuto ansiosamente os ruídos da rua...

Um automóvel!  Demasiado rápido!

Os duplos passos em conversa falam-me

O som de um portão que se fecha brusco dói-me...

Vai tudo dormir...

Só eu velo, sonolentamente escutando,

Esperando

Qualquer coisa antes que durma...

Qualquer coisa...


[Álvaro de Campos]

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