quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Poema da Memória

Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a ponta e aos seus olhos parecia
exactamente um espelho
porque, do que sabia
só um espelho com isso se parecia.

De joelhos no banco, o busto inteiriçado
só tinha olhos para o rio distante
os olhos do animal embalsamado mas vivo
na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.
Diria o rio que havia no seu tempo
um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte
onde dois grandes olhos grandes e ávidos
fixos e pasmados, o fitavam
sem tréguas nem cansaço.
Eram dois olhos grandes
olhos de bicho atento
que espera apenas por amor de esperar.

E por que não galgar sobre os telhados
os telhados vermelhos das casas baixas
com varandas verdes e nas varandas verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da história que voava
com asas grandes, grandes, flutuantes
e poisava onde bem lhe apetecia
e espreitava pelos vidros das janelas
das casas baixas com varandas verdes!
Ai que bom seria!
Espreitar não, que é feio
mas ir até ao longe e tocar nele
e nele ver os seus olhos repetidos
grandes e húmidos, vorazes e inocentes.
Como seria bom!

Descaem-se-me as pálpebras e com isso
(tão simples isso)
não há olhos, nem rio, nem varandas, nem nada.

[António Gedeão]

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