sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Rio-me sim,rio-me do que fazem

Almada, por  C.Peres Feio

 
Rio-me sim, rio-me do que fazem
do que crêem, de tudo o que todos usam
e eu-mesmo o fiz e cri como qualquer
até que do asco me despeguei disso tudo
pra morrer de verdade, sem fingir.

Ri-me e espantei-me de me ter rido assim
ri-me por não poder suportar
sentir a morte em mim
Que a morte seja eu quem a mereça
e não o limite até onde eu possa suportar.

Por todos já morreu um há séculos
e repeti-lo é sempre por todos.
Por todos é no que não creio.
Morrer por todos é o que fazemos cada um
mesmo sem querer.

Mas morrer por cada um
sobretudo se se é o próprio
é mais do que morrer por todos.
Admiro a renúncia mas não em mim
que renunciado nasci de herança.

Morro por mim.
Devo ao meu sangue aqueles dias
de que gerações inteiras se privaram.
Sou um exemplar daquela humanidade
que hoje apenas a sabemos sonhar
uma lembrança viva
de quando tudo era vivo até cada um.

Trouxeram-me clandestino
através das tribos, das raças, de catacumbas
e de catedrais d’Impérios, de Revoluções
de guerras e das mais maneiras
que dizem respeito a todos.

A todos! Eis o que me faz morrer.
Por todos não fica ninguém
há séculos e séculos
e os que parece terem deixado um nome
não deixaram senão renome
são de facto um cimo de todos
o cadáver que ficou
por cima na pirâmide dos mortos.

Tenho uma fé única: é cada um!
Cansado da humanidade
creio só nas pessoas
naqueles que se levam consigo
e em nenhuma ocasião
se perdem da sua própria mão

[Almada Negreiros]

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