Invocação
Oh Terra de Antre Tejo e Guadiana
onde há contrabandistas e malteses
oh Terra que és fronteira à castelhana
e a tens metido em ordem tantas vezes!
Terra das claras vilas com cegonhas
no alto dos mirantes sobre o imenso!
Paisagens religiosas e tristonhas
aonde o rosmaninho faz de incenso…
Ruínas penduradas no Distante
com atitudes calmas de ermitério…
Oh Terra, em cujo chão febricitante
palpita um formidável cemitério!
Terra das fortalezas truculentas
minha adeantada-mor de Portugal
Oh Terra que o abasteces, que o sustentas
que és um celeiro enorme, sem igual!
Oh Terra que da espada aventureira
tiraste ao vir das pazes a charrua!
O arado quando chega a sementeira
como ele empeça em tanta ossada nua!
Terra de coração em brasa viva
queimada no furor canicular!
Terra de quem a gente se cativa
Se a água das nascentes lhe provar!
Terra de natural dormente e langue
onde padecem lobisomens, bruxas…
Voz do Longínquo, ó tentação do Sangue
não sei em que ânsias doidas me estrebuchas!
Oh Terra estranha que a perder nos deitas
com endemoninhada beberagem!
Oh terra da lavoira, das colheitas
Das feiras e arraiaes, da ciganagem!
Terra de São João de Deus, oh Terra
onde a Rainha-Santa quis morrer!
À flor dos horizontes paira e erra
uma saudade líquida a escorrer…
Terra de meus Avós, dos bom Maiores
aonde a minha Árvore descansa!
Terra regada com seus suores
Aonde eu vejo a sua semelhança!
A sua semelhança está comigo
em mim a cada hora se renova
oh Terra que me foste berço amigo
oh Terra que serás a minha cova!
Postas as mãos, em oração ardente
oh Terra de Crisfal e Bernardim
peço-te a bênção comovidamente
que a tua bênção desça sobre mim!
[António Sardinha]
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