terça-feira, 22 de março de 2011

O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros

O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros.
As tardes vão-se repetindo no terraço, onde as palavras
são pequenos lugares de memória.
Estou divorciada dos outros pelo tempo
destas entrelinhas longe de casa
tenho sonhos que não conto a ninguém
viro devagar a primeira página:
em fevereiro, eles ainda faziam amor à sexta-feira.
De manhã, ela torrava pão e espremia laranjas numa cozinha fria.
Havia mais toalhas para lavar ao domingo
cabelos curtos colados teimosamente ao espelho.
Às vezes, chovia e ambos liam o jornal
dentro do carro antes de se despedirem.
Às vezes, repartiam sofregamente a infância, postais antigos, o silêncio
nada aconteceu entretanto.
Regresso, pois, à primeira linha, à verdade
que remexe entre as minhas mãos.
Talvez os olhos estivessem apenas desatentos sobre o livro
talvez as histórias se repitam mesmo
como as tardes passadas no terraço longe de casa.
Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém.



[Maria do Rosário Pedreira]

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