sexta-feira, 29 de abril de 2011

Como de Súbito na Vida

Como de súbito na vida tudo cansa!
e cansa-nos a vida e cansamo-nos dela
ou ela é quem se cansa de nós mesmos
na teima de existir e desejar?
Porque, neste cansaço, não o que não tivemos
ou que perdemos, ou nos foi negado
o que de que se cansa, mas também
o quanto temos, nos ama, se nos dá
a até os simples gozos de estar vivo.
Um dia é como se uma corda se quebrara
ou como se acabara de gastar-se
que nos prendia a tudo e tudo a nós.
Não é que as coisas percam importância
as pessoas se afastem, se recusem
ou nós nos recusemos. Não é mais
ou menos que isto deseja-se igual
ao como até há pouco desejávamos.
É talvez mais. Mas sem valor algum.
O dia é noite, a noite é dia, a luz
Apaga-se ou derrama-se sobre as coisas
mas elas deixam de ter forma e cor
ou somem-se no espaço como forma oculta.
E o que sentimos é pior que quanto
dantes sentíamos nas horas ásperas
da fúria de não ter ou de ter tido.
Porque se sente o não sentir. Um tédio
Não como o tédio antigo. Nem vazio.
O não sentir. Que cansa como nada.
Até dizê-lo cansa. É inútil. Cansa.

[Jorge de Sena]

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