sexta-feira, 1 de abril de 2011

Num Monumento à Aspirina

Claramente: o mais prático dos sóis
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial
que nada limita a funcionar de dia
que a noite não expulsa, cada noite
sol imune às leis de meteorologia
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma
quará-la, em linhos de um meio-dia.
Convergem: a aparência e os efeitos
da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal
polido a esmeril e repolido a lima
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna
de uso interno, por detrás da retina
não serve exclusivamente para o olho
a lente ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro
o borroso de ao redor e o reafina.

[João Cabral de Melo Neto]

Sem comentários:

Enviar um comentário