terça-feira, 19 de julho de 2011

Homens do futuro

Homens do futuro!

Ouvi, ouvi este poeta ignorado
que cá de longe fechado numa gaveta
no suor do século vinte
rodeado de chamas e de trovões
vai atirar para o mundo
versos duros e sonâmbulos como eu.
Versos afiados como dentes duma serra
 em mãos de injúria.
Versos agrestes como azorragues de nojo.
Versos rudes como machados de decepar.
Versos de lâmina contra a Paisagem do mundo
essa prostituta que parece andar às ordens dos ricos
para adormecer os poetas.

Fora, fora do planeta
tu, mulher lânguida
de braços verdes
e cantos de pássaros no coração!

Fora, fora as árvores inúteis
ninfas paradas
para o cio dos faunos
escondidos no vento...

Fora, fora o céu
com nuvens onde não há chuva
mas cores para quadros de exposição!

Fora, fora os poentes
com sangue sem cadáveres
a iludiremos de campos de batalha suspensos!

Fora, fora as rosas vermelhas
flâmulas de revolta para enterros na primavera
dos revolucionários mortos na cama!

Fora, fora as fontes
com água envenenada da solidão
para adormecer o desespero dos homens!

Fora, fora as heras nos muros
a vestirem de luz verde as sombras dos nossos mortos sempre
de pé!

Fora, fora os rios
a esquecerem-nos as lágrimas dos pobres!

Fora, fora as papoilas,
tão contentes de parecerem o rosto de sangue heróico dum
fantasma ferido!

Fora, fora tudo o que amoleça de afrodites
a teima das nossas garras
curvas de futuro!

Fora! Fora! Fora! Fora!

Deixem-nos o planeta descarnado e áspero
para vermos bem os esqueletos de tudo, até das nuvens.
Deixem-nos um planeta sem vales rumorosos de ecos húmidos
nem mulheres de flores nas planícies estendidas.
Uma planeta feito de lágrimas e montes de sucata
com morcegos a trazerem nas asas a penumbra das tocas.
E estrelas que rompem do ferro fundente dos fornos!
E cavalos negros nas nuvens de fumo das fábricas!
E flores de punhos cerrados das multidões em alma!
E barracões e vielas e vícios e escravos
a suarem um simulacro de vida
entre bolor, fome, mãos de súplica e cadáveres
montes de cadáveres, milhões de cadáveres
 silêncios de cadáveres e pedras!

Deixem-nos um planeta sem árvores de estrelas
a nós os poetas que estrangulamos os pássaros
para ouvirmos mais alto o silêncio dos homens
 terríveis, à espera
 na sombra do chão sujo da nossa morte.

[José Gomes Ferreira]

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