Aguarela de Cris Rodrigues
Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?
Sempre que pode
foge prá rua
cheira o passeio
e volta para trás
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre para mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento, vagarosamente
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos
olhos semi-cerrados, em êxtase
ronronando.
Repito a festa,vagarosamente.
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas
cerra os olhos
abre as narinas.
e rosna.
Rosna, deliquescente
abraça-me
e adormece.
Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?
[António Gedeão]