segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Mulher ao espelho

Hoje que seja esta ou aquela
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo  e do meu rosto
se tudo é tinta: o mundo, a vida
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes
outros, buscando-se no espelho.

[Cecília Meireles]

Sem comentários:

Enviar um comentário