segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Sentimento do Mundo

        Tenho apenas duas mãos
        e o sentimento do mundo
        mas estou cheio de escravos
        minhas lembranças escorrem
        e o corpo transige
        na confluência do amor.

        Quando me levantar
        o céu estará morto e saqueado
        eu mesmo estarei morto
        morto meu desejo, morto
        o pântano sem acordes.

        Os camaradas não disseram
        que havia uma guerra
        e era necessário trazer fogo e alimento.
        Sinto-me disperso, anterior a fronteiras
        humildemente vos peço que me perdoeis.

        Quando os corpos passarem
        eu ficarei sózinho
        desafiando a recordação do sineiro
        da viúva e do micros-copista
        que habitavam a barraca
        e não foram encontrados ao amanhecer
        esse amanhecer mais que a noite.


         [Carlos Drummond de Andrade]
           31/10/1902 - 17/08/1987

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