Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo
mas estou cheio de escravos
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar
o céu estará morto e saqueado
eu mesmo estarei morto
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso, anterior a fronteiras
humildemente vos peço que me perdoeis.
Quando os corpos passarem
eu ficarei sózinho
desafiando a recordação do sineiro
da viúva e do micros-copista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados ao amanhecer
esse amanhecer mais que a noite.
[Carlos Drummond de Andrade]
31/10/1902 - 17/08/1987
Sem comentários:
Enviar um comentário