domingo, 8 de janeiro de 2012

Poema do Homem Só

Sós
irremediàvelmente sós
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.

Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta

quer se grite ou não se grite
nenhum dar-se de outro se refracta
nenhum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento

sou eu só e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços

dão-se os olhos, dão-se os dedos
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos
dão-se as noites  e dão-se os dias
dão-se aflitivas esmolas
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias
dão-se os nervos, dá-se a vida
dá-se o sangue gota a gota
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto

que no silêncio concreto
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo
este ser-se sem disfarce
virgem de mal e de bem
este dar-se, este entregar-se
descobrir-se  e desflorar-se
é nosso de mais ninguém.


[António Gedeão]



Sem comentários:

Enviar um comentário