quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Um dia ainda hei-de ser capaz de me agarrar às asas de uma águia, e voar com ela.



Um dia ainda hei-de ser capaz de me agarrar às asas de uma águia,
e voar com ela.
Levarei comigo um pedaço de noite na confusão da minha mala.
Não me posso esquecer de levar livros, canetas e papel.
Raptarei alguns pirilampos, em causticas distracções nas videiras para que os possa admirar fascinada à noite!
Levo algumas rosas, alecrim, para que o seu perfume e o sentido da Primavera, perdurem.
Talvez os pirilampos se fortaleçam nessa viagem cósmica e cintilem mais decisivamente na mais longínqua nuvem que eu encontrar.
É lá que me quero refugiar... !
Talvez eu consiga explicar aos frágeis pirilampos que o sol é uma fonte inesgotável de vida e que não há qualquer razão para preferirem a escuridão da noite para descamarem no seu bailado intermitente,fingindo uma audácia inexistente.
Quero explicar-lhes por gestos virtuosos que só os
ratos vagueiam nos túneis escuros, onde o cheiro nauseabundo mostra a decadência que somos.
Sinto-me cansada,
nauseada,
fragilizada e farta
desta azáfama que acompanha a realidade dos dias, sempre repetitivos,
exaustivamente vazios.
O que fizemos da nossa própria humanização?
Porque nos escondemos em tanta contradição?
Que realidade é esta? O desassossego que me acompanha, dia após dia, tem o mesmo sabor da atrocidade que se comete a cada momento em que fingimos, que nada vemos...
Preciso sentir-me actuante, percebes?
Preciso de sair…
respirar…
Reflectir longe.
Se me agarrar a essa águia ficarei lá em cima, sim… onde o horizonte se confunde com o rendilhado das nuvens que parecem fugir de algum sarilho também.
Agarras-te aos meus cabelos e segues viagem comigo?
A águia que nos levar permitirá essa ousadia descabida.
Há águias sonhadoras, sabias?
Anda, sim…
Aqui na terra nada tem sentido!
Os afectos deturpam-se… interrompem-se à mínima contrariedade.
Se é assim onde está a autenticidade?
Os meninos de ventre inchado continuam a deambular descalços sobre a terra ressequida e escaldante.
A única solidariedade que recebem dos outros é ignorância e o desprezo. Só as moscas que lhes bebem as lágrimas os fazem sentir uma réstia de vida.
Ah... quanta hipocrisia, Meu senhores!
Quanta hipocrisia!
Tu e eu temos essa consciência?
O que fazemos para mudar o rumo das coisas?
As armas, os donos da guerra, a maldita droga.
As crianças violadas, maltratadas.
Os rios poluídos, a destruição da Amazónia!

Ah… preciso sair,
respirar...
Reflectir longe….
Se é para enlouquecer, quero enlouquecer nas nuvens.

[Vóny Ferreira]

1 comentário:

  1. Sensibilizada,
    sem palavras,
    foi como fiquei quando entrei no seu blog.
    Sabe?
    Pouco vale o que escrevo. São meras emoções
    transcritas por palavras que eu própria
    por vezes desconheço porque têm que sair.
    O meu muito obrigada por ter eleito esta prosa poética
    (que me diz imenso...) do meu último livro de poesia.
    Um grande abraço. Bem haja!
    Vóny Ferreira

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