domingo, 3 de outubro de 2010

Outono

Outono

    Uma lâmina de ar, atravessando as portas.
    Um arco, uma flecha cravada no Outono e a canção
    que fala das pessoas, do rosto e dos lábios das pessoas.
    E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como
    uma amarra, à espera do mar esperando o silêncio.
    É Outono, uma mulher de botas atravessa-me a tristeza,
    quando saio para a rua molhado como um pássaro.
    Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
    da minha revolta última ou do teu nome que repito.
    Hoje há soldados, eléctricos, uma parede cumprimenta o sol.
    Procura-se viver, vive-se de resto em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
    há homens e mulheres, que compram o jornal e amam-se
    como se de repente, não houvesse mais nada, senão
    a imperiosa ordem de (se) amarem.
    Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
    Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
    Não há um nome para a tua ausência.
    Há um muro que os meus olhos derrubam.
    Um estranho vinho que a minha boca recusa.
    É Outono, a pouco e pouco despem-se as palavras.

[Joaquim Pessoa]

Sem comentários:

Enviar um comentário