domingo, 5 de dezembro de 2010

O MOSTRENGO

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar
A roda da nau voou três vezes
Voou três vezes a chiar

E disse: - Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?
E o homem do leme disse, tremendo:
- El-Rei D. João Segundo!
De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?
Disse o mostrengo e rodou três vezes
Três vezes rodou imundo e grosso.

Quem vem poder o que só eu posso
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?
E o homem do leme tremeu e disse:
- El-Rei D. João Segundo!
Três vezes do leme as mãos ergueu
Três vezes ao leme as reprendeu

E disse no fim de tremer três vezes:
- Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo
Manda a vontade, que me ata ao leme
De El-Rei D. João Segundo!

                                                                                      
[Fernando Pessoa]

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