quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

P O R T U G A L

Portugal

Oh Portugal, se fosses só três sílabas
linda vista para o mar
Minho verde, Algarve de cal
jerico rapando o espinhaço da terra
surdo e miudinho
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e afinal, amigo
se fosses só o sal, o sol, o sul
o ladino pardal
o manso boi coloquial
a rechinante sardinha
a desancada varina
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos
o ferrugento cão asmático das praias
o grilo engaiolado, a grila no lábio
o calendário na parede, o emblema na lapela
oh Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã
não há papo-de-anjo que seja o meu derriço
galo que cante a cores na minha prateleira
alvura arrendada para o meu devaneio
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo
golpe até ao osso, fome sem entretém
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes
rocim engraxado
feira cabisbaixa
meu remorso
meu remorso de todos nós...

[Alexandre O'Neill]




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