Ó noite, porque hás-de vir sempre molhada!
Porque não vens de olhos enxutos
e não despes as mãos
de mágoas e de lutos!
Porque hás-de vir semi-morta,
com ar macerado e de bruxedo
e não despes os ritos, o cansaço
e as lágrimas e os mitos e o medo!
Porque não vens natural
Como um corpo sadio que se entrega
e não destranças os cabelos
e não nimbas de luz a tua treva!
Porque hás-de vir com a cor da morte
se a morte já temos nós!
Porque adormeces os gestos
porque entristeces os versos
e nos quebras os membros e a voz!
Porque é que vens adorada
por uma longa procissão de velas
se eu estou à tua espera em cada estrada
nu, inteiramente nu
sem mistérios, sem luas e sem estrelas!
Ó noite eterna e velada
senhora da tristeza, sê alegria!
Vem de outra maneira ou vai-te embora,
e deixa romper o dia!
[Eugénio de Andrade]
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