quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O sono que desce sobre mim.

O sono que desce sobre mim.

O sono que desce sobre mim.
O sono mental que desce fisicamente sobre mim
O sono universal que desce individualmente sobre mim
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir.
O sono da vontade de dormir
O sono de ser sono.

Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões
É o sono da síntese de todas as desesperanças
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura
O abatimento tem ao menos sossego
A rendição é ao menos o fim do esforço
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono!...

[Álvaro de Campos]

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