quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Pincel

António Aleixo, retrato de autoria de Luís Furtado

 
O Pincel

Fui uma noite pintar
Com um caneco emprestado
Eu pintei sem reparar
Pintei e fiquei pintado.

Eu comecei com jeitinho
A compor o ramalhete
Primeiro foi com azeite
E depois foi com cuspinho.
No começo era estreitinho
Custava o pincel a entrar...
Começa a dona a gritar:
"Não me parta a tigelinha"
Mas que coisa engraçadinha
Fui uma noite pintar...

Comecei devagarinho...
Quando fui ao outro mundo
Meti o pincel ao fundo
E parti o canequinho.
Até mesmo o pincelinho
Veio de lá todo pintado
Eu já estava desmaiado
Perdendo as cores do rosto
Mas pintei com muito gosto
Com um caneco emprestado.

Vem a mãe toda zangada:
"Tem que pagar-me a vasilha...
No caneco da minha filha
Não pinta você mais nada...
...Lá isto, a moça deitada
Sem se poder levantar
Com tanta tinta a pingar
No lugar da rachadela!..."
"Diga lá, que desculpe ela
Eu pintei sem reparar!"...

Pra que vejam que sou pintor
E meu pincel nunca deixo
Pra que saibam que o Aleixo
Não é somente cantor...
Também pinto qualquer flor
E faço qualquer bordado
Mas aqui o ano passado
Perdi, de pintar, o tino...
Fui pintar, fiz um menino
Pintei e fiquei pintado.

[António Aleixo]

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