fingir que está tudo bem:
o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro
rastos de chamas dentro do corpo
gritos desesperados sob as conversas:
fingir que está tudo bem:
olhas-me e só tu sabes:
na rua, onde os nossos olhares
se encontram é noite:
as pessoas não imaginam:
são tão ridículas as pessoas
tão desprezíveis:
as pessoas falam e não imaginam:
nós olhamo-nos:
fingir que está tudo bem:
o sangue a ferver sob a pele
igual aos dias antes de tudo
tempestades de medo nos lábios a sorrir:
será que vou morrer? pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?
olhas-me e só tu sabes: ferros em brasa
fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem:
ter de sorrir: um oceano que nos queima
um incêndio que nos afoga.
[José Luis Peixoto]
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