A minha saudade tem o mar aprisionado
na sua teia de datas e lugares.
É uma matéria vibrátil e nostálgica
que não consigo tocar sem receio
porque queima os dedos
porque fere os lábios
porque dilacera os olhos.
E não me venham dizer que é inocente
passiva e benigna porque não posso acreditar.
A minha saudade tem mulheres
agarradas ao pescoço dos que partem
crianças a brincarem nos passeios
amantes ocultando-se nas sebes
soldados execrando guerras.
Pode ser uma casa ou uma rede
das que não prendem pássaros nem peixes
das que têm malhas largas
para deixar passar o vento e a pressa
das ondas no corpo da areia.
Seria hipócrita se dissesse
que esta saudade não me vem à boca
com o sabor a fogo das coisas incumpridas.
Imagino-a distante e extinta e contudo
cresce em mim como um distúrbio da paixão.
[José Jorge Letria]
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