Senhor: não peço mais que silêncio
o silêncio das noites de planície
como enevoadas águas
o silêncio dos montes
quando a tarde acabou
e as pedras se afiam na friagem
que é azul-celeste
o silêncio do sol encarquilhando as folhas
e o vento na areia depois de ter passado
o silêncio das ondas ao longe
espumejando tranquilas
o silêncio das mãos e o dos olhos
e o das aves negras que pairam nas alturas
de um céu silencioso e límpido.
Não peço mais que silêncio.
O silêncio das ideias que deslizam
no tecto escorregadio da memória silente.
E o silêncio dos sonhos coloridos
e o dos outros a preto e branco
imagens desejadas que não pensei
que desejava e esqueço
ao querer lembrá-las.
E o silêncio dos sexos
que se possuem sem uma palavra.
E o do amor também
tão silencioso esse
que não sei quem amo.
Não peço mais.
Afasta de mim o estrondo:
não o das cidades, ou dos homens
das águas, do que estala na memória
ou penumbra das salas desertas.
Afasta de mim o estrondo
com que a vida se acabará contigo
num rasgar de súbito
em que ficarei inerte e silencioso.
O estrondo em que não ouvirei mais nada.
O estrondo em que não mexerei um dedo.
O estrondo em que serei desfeito.
O estrondo em que de olhos abertos alguém mos abrirá.
Senhor: não peço mais do que o silêncio do mundo
o silêncio dos astros, o silêncio das coisas
que outros homens fizeram
e o das coisas que eu próprio fiz.
E o teu silêncio de senhor que foi.
Não peço mais.
Não é nada o que peço.
Dá-me o silêncio.
Dá-me o que não fui:
silêncio (porque calei tanto):
o que não sou (pois que calo tanto):
o que hei-de ser (já que falar não adianta):
Silêncio.
Senhor: não peço mais.
[Jorge de Sena]
Soberbo!!!!
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