terça-feira, 21 de junho de 2011

SÚPLICA FINAL

Senhor: não peço mais que silêncio
o silêncio das noites de planície
 como enevoadas águas
o silêncio dos montes
quando a tarde acabou
e as pedras se afiam na friagem
 que é azul-celeste
o silêncio do sol encarquilhando as folhas
e o vento na areia depois de ter passado
o silêncio das ondas  ao longe
 espumejando tranquilas
o silêncio das mãos e o dos olhos
e o das aves negras que pairam nas alturas
de um céu silencioso e límpido.
 Não peço mais que silêncio.
 O silêncio das ideias que deslizam
no tecto escorregadio da  memória silente.
E o silêncio dos sonhos coloridos
 e o dos outros a preto e branco
 imagens desejadas que não pensei
que desejava e esqueço
ao querer lembrá-las.
 E o silêncio dos sexos
 que se possuem sem uma palavra.
E o do amor também
 tão silencioso esse
que não sei quem amo.
Não peço mais.
 Afasta de mim o estrondo:
 não o das cidades, ou dos homens
 das águas, do que estala na memória
 ou penumbra das salas desertas.
Afasta de mim o estrondo
 com que a vida se acabará contigo
 num rasgar de súbito
em que ficarei inerte e  silencioso.
 O estrondo em que não ouvirei mais nada.
 O estrondo  em que não  mexerei um dedo.
 O  estrondo  em que serei desfeito.
O estrondo em que de olhos abertos alguém mos abrirá.
Senhor: não peço mais do que o silêncio do mundo
o silêncio dos astros, o silêncio das coisas
que outros homens fizeram
 e o das coisas que eu próprio fiz.
 E o teu silêncio de senhor que foi.
Não peço mais.
Não é nada o que peço.
Dá-me o silêncio.
 Dá-me o que não fui:
silêncio (porque calei tanto):
o que não  sou (pois que calo tanto):
o que hei-de ser (já que falar não adianta):
Silêncio.
Senhor: não peço mais.

[Jorge de Sena]

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