Deixa ficar a flor
A morte na gaveta,
O tempo no degrau.
Conheces o degrau:
O sétimo degrau
Depois do patamar
O que range ao passares
O que foi esconderijo
Do maço de cigarros
Fumado às escondidas...
Deixa ficar a flor.
E nem murmures.
Deixa o tempo no degrau,
A morte na gaveta.
Conheces a gaveta:
A primeira da esquerda
Que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
Pela janela fora?
Na batalha do ódio
Destruam-se, fechados
Sem tréguas, os retratos!
Deixa ficar a flor.
A flor? Não a conheces.
Bem sei. Nem eu. Ninguém.
Deixa ficar a flor.
Não digas nada. Ouve.
Não ouves o degrau?
Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...
Não digas nada. Ouve:
É com certeza alguém,
Alguém que traz a chave.
[David Mourão-Ferreira]