terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pequena Elegia de Setembro


Não sei como vieste
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim
as mãos no regaço cheias de doçura
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo
dizer-te apenas que estou aqui
mas tenho medo
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim
oh cheia de doçura
sentada, olhando as rosas
e tão alheia
que nem dás por mim.

[Eugénio de Andrade]

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