domingo, 4 de dezembro de 2011

AFINIDADE


A afinidade não é o mais brilhante
mas o mais subtil, delicado
e penetrante dos sentimentos.
É o mais independente.

Não importa o tempo
a ausência, os adiamentos
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade
qualquer reencontro
retoma a relação
o diálogo, a conversa
o afecto no exacto ponto
em que foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo
mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado
sobre o real.
Do subjectivo para o objectivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.

Ter afinidade é muito raro.
Mas quando existe
não precisa de códigos verbais
para se manifestar.
Existia antes do conhecimento
irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade
de expressar a um não afim
sai simples e claro
diante de alguém
com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe
pensando parecido
a respeito dos mesmos fatos
que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavras.
É receber o que vem do outro
com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com
nem sentir contra, nem sentir para
nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente
mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem
para o ser  amado
não para eles próprios.

Sentir com
é não ter necessidade
de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar
ou, quando é falar
jamais explicar:
apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por
confunde afinidade
com masoquismo.
Mas quem sente com
avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar
o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade
questiona por não aceitar.

Afinidade é ter perdas
semelhantes e iguais esperanças.
É conversar no silêncio
tanto nas possibilidades exercidas
quanto das impossibilidade vividas.

Afinidade é retomar a relação
no ponto em que parou
sem lamentar o tempo de separação.
Porque tempo e separação
nunca existiram.
Foram apenas oportunidades
dadas (tiradas) pela vida,
para que a maturação comum
pudesse se dar.
E para que cada pessoa
pudesse e possa ser
cada vez mais a expressão do outro
sob a forma ampliada
do eu individual aprimorado

[Artur da Távola]

Sem comentários:

Enviar um comentário