sábado, 7 de abril de 2012

ESTA É A CIDADE

Esta é a Cidade e é bela.
Pela ocular da janela
foco o sémen da rua.
Um formigueiro se agita
Esgueira-se, freme, crepita,
ziguezagueia e flutua.

Freme como a sede bebe
numa avidez de garganta,
como um cavalo se espanta
ou como um ventre concebe.

Treme e freme, freme e treme
friorento voo de libélula
sobre o charco imundo e estreme.
Barco de incógnito leme
cada homem, cada célula.
É como um tecido orgânico
que não seca nem coagula
que a si mesmo se estimula
e vai, num medido pânico.

Aperfeiçoo a focagem.
Olho imagem por imagem
numa comoção crescente.
Enchem-se-me os olhos de água.
Tanto sonho! Tanta mágoa!
Tanta coisa! Tanta gente!

São automóveis, lambretas
motos, vespas, bicicletas
carros, carrinhos, carretas
e gente, sempre mais gente
gente, gente, gente, gente
num tumulto permanente
que não cansa nem descansa
um rio que no mar se lança
em caudalosa corrente.

Tanto sonho! Tanta esperança!
Tanta mágoa! Tanta gente!

Uma circe peregrina
pedúnculo de vorticela
perpassa sob a janela
incandesce-me a retina.
Anda como sobre escolhos
irradiando fragrância.
Envolvo-a toda nos olhos
possuo-a mesmo à distância.

A multidão chama por mim.
Chama e reclama
que eu nela, sou princípio e fim.

Lá vou, lá vou.
Galgo os lanços da escada de roldão
e fluo, coloidalmente disperso
crepúsculo e onda, sem anverso nem reverso
fagocitado pela multidão.

[António Gedeão]


Ribeira do Porto  - Aguarela de Real Bordalo

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