terça-feira, 10 de abril de 2012

Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê
Quem sente não é quem é

Atento ao que sou e vejo
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem
Assisto à minha passagem
Diverso, móbil e só
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo:
Deus sabe, porque o escreveu.

[Fernando Pessoa]

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