domingo, 22 de abril de 2012

M E M Ó R I A

Ora isto, Senhores, deu-se em Trás-os-Montes
Em terras de Borba, com torres e pontes.
Português antigo, do tempo da guerra
Levou-o o Destino pra longe da terra.
Passaram os anos, a Borba voltou
Que linda menina que, um dia encontrou!
Que lindas fidalgas e que olhos castanhos!
E  um dia, na Igreja correram os banhos.
Mais tarde, debaixo dum signo mofino
Pela lua-nova, nasceu um menino.
Ó mães dos Poetas! sorrindo em seu quarto
Que são virgens antes e depois do parto!
Num berço de prata, dormia deitado
Três moiras vieram dizer-lhe o seu fado
(E abria o menino seus olhos tão doces):
«Serás um Príncipe! mas antes... não fosses.»
Sucede, no entanto, que o Outono veio
E, um dia, ela resolve ir dar um passeio.
Calcou as sandálias, tocou-se de flores,
Vestiu-se de Nossa Senhora das Senhoras:
«Vou ali adiante, à Cova, em berlinda
António e já volto...» E não voltou ainda!
Vai o Esposo, vendo que ela não voltava
Vaí lá ter com ela, por lá se quedava.
Ó homem egrégio! de estirpe divina
De alma de bronze e coração de menina!
Em vão corri mundos, não vos encontrei
Por vales que fora, por eles voltei.
E assim se criou um anjo, o Diabo, a lua;
Ai corre o seu fado! a culpa não é sua!
Sempre é agradável ter um filho Virgílio
Ouvi estes carmes que eu compus no exílio
Ouvi-os vós todos, meus bons Portugueses!
Pelo cair das folhas, o melhor dos meses
Mas, tende cautela, não vos faça mal...
Que é o livro mais triste que há em Portugal!

[António Nobre]

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